segunda-feira, 19 de junho de 2017

Dica da semana Cinestória #13 - Apocalypse Now

A ficção é história, história humana, ou não é nada – Joseph Conrad

Uma das mais antológicas aberturas de filmes da história do cinema ao som de “The End” da banda The Doors; a adaptação (em sentido próprio) do romance No Coração das Trevas de Joseph Conrad; um diretor à beira da loucura; um protagonista que sofre um enfarte durante as gravações; sets do filme atingidos por um tornado; a guerra do Vietnã, a guerra na qual um povo milenar expulsou de seu país a maior potência militar da história. Convenha-se: os ingredientes listados são bastante persuasivos e permitem pensar que, dito do modo mais minimalista possível, Apocalypse Now é um filme importante da história do cinema.



O enredo do filme é simples: o capitão Willard (Martin Sheen, pai do famoso comediante Charlie Sheen) vai em uma missão atrás do coronel Kurtz (Marlon Brando), o qual supostamente enlouqueceu e não estaria mais sob controle do Estado Maior americano, tomando decisões táticas de guerra por conta própria.  Willard deve assassinar Kurtz que como que se tornou um deus para um exército de selvagens que arregimentou por si mesmo e passou a conduzir em incursões militares próximo à fronteira do Camboja.

Apocalypse Now é um filme de guerra, mas não como tantos filmes de guerra. Francis Ford Coppola filmou um roteiro baseado livremente no livro de Joseph Conrad, o qual originalmente trata da política colonialista belga no Congo. Ao fazer isso foi seu jeito de dizer – e obviamente protestar – contra a nova política imperialista americana na Ásia. Essa não foi a primeira adaptação de um livro que Coppola realizou, afinal seu maior sucesso, O Poderoso Chefão é uma adaptação. Contudo há duas diferenças fundamentais: o livro de Mario Puzzo que inspirou O Poderoso Chefão é medíocre; a segunda distinção é que a adaptação de Coppola, melhorando muito o livro, segue basicamente as mesmas linhas do romance (cortando alguns temas bizarros).

No caso de Apocalypse Now trata-se da adaptação de um dos grandes romances modernos. E “adaptação” aqui deve ser entendida em sentido forte: há temas e personagens que estão no livro e no filme, há também uma mesma atmosfera. Todavia, mudou a época, o cenário, os atores geopolíticos: agora são os Estados Unidos versus o Vietnã. Os elementos centrais, dramáticos, precisaram ser remodelados de modo decisivo e redimensionados ao período no qual o filme foi realizado. Não é um “filme de época”, mas um filme da nossa época.

Contudo, essa apresentação “objetiva” e descritiva do filme perde o essencial dele, que é a representação fina e detalhada da loucura da guerra. Não se trata da patologia mental de um personagem ou coisa do gênero, mas sim de como os valores e percepções daqueles engajados no extermínio do outro são completamente alterados e radicalizados. Enquanto vários filmes de guerra de Hollywood buscaram traçar a guerra com o maior realismo possível – O Resgate do Soldado Ryan, Platoon –, em Apocalypse Now há como uma atmosfera onírica, de sonho, onde por vezes é difícil distinguir a realidade para aqueles que estão na selva.

Entre os prêmios recebidos pelo filme, vale destacar a Palma de Ouro, o Globo de Ouro de melhor diretor para Coppola, e os Oscar’s de melhor fotografia e mixagem de som. Além disso, a indicação (mera indicação, o que é apenas mais uma das várias injustiças do Oscar) de melhor ator coadjuvante para Robert Duvall, imortalizado no personagem Tenente "surfista" Killgore, celebrizado em uma das frases mais abertamente perversas e fascistas da história do cinema: "I love the smell of napalm in the morning (...). Smelled like... victory". Napalm é uma espécie de gel com gasolina, um fogo pegajoso que era despejado na pele dos vietnamitas que se opunham à ocupação estadunidense. Esse “cheiro de vitória” que o personagem se alegrava nada mais era que o cheiro da pele carbonizada de seus inimigos. Eis um dos temas do filme: como alguém, seja lá quem for, pode possuir um sentimento positivo frente a isso – esse o horror da guerra que Apocalypse Now apresenta da forma mais pungente.

Hernandez Vivan Eichenberger
Professor de Filosofia e colaborador externo do projeto

FICHA TÉCNICA
Título original: Apocalypse Now
Gênero: Guerra
Direção: Francis Ford Coppola
Elenco: Martin Sheen, Frederic Forrest, Robert Duvall
Duração: 202 minutos
Ano de produção: 1979
País de origem: EUA

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