segunda-feira, 12 de junho de 2017

Dica da semana Cinestória #12 - O hospedeiro


O nome de Joon-ho Bong voltou as manchetes recentemente por conta da polêmica no Festival de Cannes envolvendo seu mais recente trabalho "Okja", o primeiro filme produzido pela Netflix a concorrer a Palma de Ouro - prêmio máximo do festival¹. Ao ver as notícias me lembrei do diretor e deste filme de 2006 (o único dele que assisti). "O hospedeiro" também estreou no renomado festival francês e alcançou um grande sucesso de crítica e público, fazendo com que a Cahiers du Cinéma o elegesse um dos dez melhores filmes dos anos dois mil. Assim como a minha última dica, ele está entre os meus favoritos do cinema asiático. Tanto que em 2011 escrevi uma crítica² sobre ele e vou utilizar dela para falar sobre o filme aqui.

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O aspecto mais marcante desta obra é sua bela e competente forma de tratar os gêneros que se apresentam ao longo da trama, o que faz com que não seja puramente um filme de monstro. As primeiras sequências de "O hospedeiro" já deixam evidenciado o seu caráter mutante, ao mesmo tempo em que começam a demonstrar a arquitetura do diretor, certo rigor e comprometimento na construção dos enquadramentos, da montagem. Essas sequências antes dos créditos servem também ao propósito de criar uma gênese do monstro, de cuja existência ainda não se tem comprovação visual, mas que começa a surgir como uma presença constante.

Tudo começa com dois cientistas em uma base militar em Seul, onde o chefe americano ordena ao subalterno coreano que despeje pelo ralo uma grande quantidade de tóxicos supostamente vencidos, mesmo sabendo que seu destino seria o rio Han, que corta a cidade. As sequências seguintes dão pequenos indícios das consequências daquele ato, até que os créditos surgem sobre a água do rio. A partir do plano seguinte é que o filme começa a revelar sua mutação, a sua gênese peculiar, colocando em suspenso (no sentido da própria expectativa) o prólogo, e dando início ao que parece ser outra história, até a derradeira cena do aparecimento do monstro, que faz lembrar muito a montagem da cena na escadaria de Odesa, em "O Encouraçado Potemkin" (Eisenstein, 1925).

Thriller político, drama familiar, comédia de costumes com um toque pastelão, são alguns dos membros que começam a surgir desse corpo dramático fantasiado de ficção científica. É preciso manter a mente aberta, assim como a grande extensão do rio, segundo avisa o cientista americano, ainda na primeira cena. Manter a mente aberta para a experimentação de Bong enquanto tenta construir na tela o DNA mutante do seu monstro fílmico, por meio de uma lógica, de um fluxo narrativo que surpreendentemente não se perde nessa combinação genética.

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Seguindo essa linha de raciocínio, a quantidade de personagens secundários que de forma direta fazem parte da narrativa, e a heterogeneidade também desses, me faz pensar em O hospedeiro como uma mutação constante, onde se proliferam órgãos, temas, sentidos, símbolos. Difícil quantificar e qualificar sem reduzir – como em todo filme –, mas no filme de Bong me parece ainda mais complexo, em frente à variedade de referências, de simbologias. O esgoto, o rio, a sátira política, o teor ecológico, a referência histórica, a música, tudo são elementos, são imagens que surgem o tempo todo de forma expressiva, querendo se mostrar significativas, mas ainda sim veladas sob a sutileza da forma do filme, escondendo talvez as muitas outras camadas por debaixo delas.

O hospedeiro possui infinitos tentáculos que proliferam desse estranho monstro fílmico, em uma mutação que reúne qualidades das quais mais admiro no cinema, expressadas de forma muito bem executada, em um filme divertido. Por fim, acho que é realmente isso que me agrada neste filme. Apesar de tudo, não deixa de ser como um filme de monstro merece ser: divertido.

Lucas Neto
Bacharel em Cinema e colaborador externo do projeto


¹ Exibição do filme Okja em Cannes é interrompida por problemas técnicos


FICHA TÉCNICA
Título original: Gwoemul
Gênero: Terror/Fantasia/Comédia/Ação
Direção: Joon-ho Bong
Elenco: Song Kang-Ho, Hie-bong Byeon, Doona Bae
Duração: 120 minutos
Ano de produção: 2006
País de origem: Coréia do Sul

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