segunda-feira, 24 de abril de 2017

Dica da semana Cinestória #5 - Touro Indomável

Provavelmente todos já vimos filmes cuja temática esportiva segue uma rotina simples, mais ou menos a seguinte: expectativa, derrota, superação. Um exemplo disso é o filme Rocky, de Sylvester Stallone (1976). Esse tipo de estrutura narrativa costuma nos agradar pois, digamos, “tranquiliza” nosso espírito ou consciência. A lição é simples: há dificuldades na vida, mas elas serão vencidas.

O ano em que Rocky ganhou o Oscar de melhor filme foi o mesmo ano em que o diretor Martin Scorsese disputou o mesmo prêmio com um dos grandes filmes revolucionários da cinematografia norte-americana: Taxi Driver. Trata-se da história de um motorista de táxi cujo passado na Guerra do Vietnã deixou marcas profundas em seu caráter e que serão mal absorvidas pela sociedade americana.

Rocky derrotou Taxi Driver na premiação – mais uma das tantas injustiças da história do Oscar. Contudo, esse não foi o fim da história de Scorsese com o boxe. Ele se comprometeu, logo na sequência, em contar a história do boxeador Jake LaMotta – “Touro Indomável” (Raging Bull). A dificuldade inicial de Scorsese residia no seguinte: como contar uma história que envolve um esporte que ele simplesmente odiava, que, segundo seus critérios, não passava de bestialidade brutal?


Nesse passo que Scorsese realiza um filme de esporte diferente do usual: esporte nada tem a ver com redenção. Jake LaMotta é um homem produto de um bairro violento cuja linguagem usual é o uso de seus punhos para a resolução dos problemas mais elementares. A violência que é básica e propulsora do esporte é justamente derivada de homens construídos no solo fértil desse meio social.

Por essa razão Scorsese e Michael Chapman criaram uma fotografia belíssima em preto e branco que apenas acentua a violência. Somente os vídeos caseiros de família, as memórias, são coloridos. A mensagem é simples, mas eficaz: a dura realidade é em preto e branco, só a memória seletiva permite colori-la. O material básico da narrativa de Scorsese, contudo, é sempre o submundo americano: como a vida do bairro se mescla à vida do crime e a realidade produzida a partir dessa conjunção. A Máfia sempre ronda Jake e seu irmão: é ela que busca influenciar o resultado das lutas ao mesmo tempo que serve como condição para que LaMotta enfrente o campeão de sua categoria. A história do bairro é também a história dos homens e de como as mulheres sofrem profunda violência física. Os espancamentos de Jake em sua mulher são uma constante. É razoável pensar que o filme tem como resultado indireto a denúncia desse tipo de violência.

Vale assinalar a profunda entrega de Robert De Niro ao papel principal: não aceitou os enchimentos propostos pela direção a fim de mostrar a fase final da vida de LaMotta e decidiu engordar 25 quilos a fim de realizar o papel. Além disso, treinou boxe a fim de garantir maior veracidade às cenas – o próprio LaMotta disse que De Niro, se quisesse, poderia ter sido um lutador profissional de boxe. Tamanha dedicação lhe valeu o Oscar de melhor ator.

Ao fim e ao cabo do filme não temos um herói: temos um homem cuja vida foi constituída pela violência desde sua formação até seu fim. O esporte que impulsionou sua vida não era mais que a violência, agora estilizada, que a moldou.


Hernandez Vivan Eichenberger
Professor de Filosofia e colaborador externo do projeto


FICHA TÉCNICA
Título Original: Raging Bull
Gênero: Drama
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Cathy Moriarty, Frank Vincent, Joe Pesci, Robert De Niro
Duração: 128 minutos
Ano de produção: 1980
País de origem: Estados Unidos

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