terça-feira, 18 de abril de 2017

Dica da semana Cinestória #4 - Mr. Vingança

Eu sempre tentei não acreditar em coisas como “você pode fazer qualquer coisa se você tiver força de vontade” ou “você é o único que pode esculpir sua própria vida”. [...] você poderia chamar de vontade de Deus ou destino; mas no final, o que eu estou tentando dizer é o mesmo. E isso é: "A vida não segue o seu próprio caminho".
Chan-Wook Park


O cineasta sul-coreano Chan-wook Park ficou conhecido mundialmente quando seu filme Oldboy venceu o prêmio Grand Prix no Festival de Cannes em 2004. No entanto, ele já apresentava seu estilo particular e peculiar de fazer cinema - que conquistou crítica e público - neste primeiro episódio de sua trilogia sobre vingança.

Particularmente, este é meu filme preferido do cineasta e também posso dizer que um dos melhores do que conheço de cinema asiático dos últimos anos. O que me fascina no roteiro é justamente como as ações são diretamente influenciadas por uma força maior invisível - como define o próprio cineasta - e são determinantes para um ciclo caótico de violência e morte que coloca em reflexão os limites da natureza humana. Praticamente não existem inocentes, não existe o maniqueísmo clássico, todos estão à mercê de uma cadeia de causalidade.

Nesta trama, o jovem operário Ryu é demitido, ao mesmo tempo em que sua irmã precisa de um transplante. Sem encontrar doadores compatíveis, ele recorre ao mercado negro de órgãos. A partir desse momento, o agente invisível aparece nos pequenos detalhes para gerar condições onde as escolhas erradas dos personagens, por mais que sejam feitas em nome de uma boa causa, motivam novos acontecimentos trágicos, em uma espiral crescente.

Por outro lado, o filme também impressiona na beleza e técnica de sua execução. Para contar essa história, Chan-wook apresenta elementos fílmicos que criam uma atmosfera característica de seus filmes: enquadramentos diferenciados, montagem lacônica, violência gráfica. Uma das cenas iniciais, por exemplo, é uma união perfeita entre montagem, movimento de câmera e som, para invocar o trágico e o cômico unidos (outra de suas características marcantes): vemos os vizinhos, em detalhe, ouvindo através da parede, achando que alguém está transando. Em um novo plano, a câmera faz um movimento de transição de um quarto para o outro, mostrando a irmã de Ryu sofrendo profundamente de dores, gemendo alto e se contorcendo. O travelling termina com Ryu em primeiro plano, de costas para a irmã. Ele não pode ajudá-la porque não pode ouvir, pois ele é surdo.

Aliás, a utilização do som - totalmente relacionado a condição de Ryu - é outro fator técnico muito bem trabalhado. A deficiência do personagem é decisiva tanto para o encaminhamento dos acontecimentos quanto para a forma narrativa do filme. Chan-wook utiliza o que Arlindo Machado¹ define como pontos de escuta: o funcionamento da pista sonora da mesma forma que a pista das imagens, organizando o som em função de um ponto originário do espaço, aquele onde se imagina estar o sujeito vidente, o olho da câmera, e desse modo sugerir uma experiência sensorial e psicológica particular. Uma interiorização na perspectiva de um personagem no plano sonoro, e nesse caso, também no plano visual.

É interessante observar que a utilização desses pontos de escuta cria uma ilusão de autenticidade na esfera sonora, ao mesmo tempo em que o filme assume certa autoconsciência narrativa na esfera das imagens, ao priorizar enquadramentos inusitados ou transmitir os pensamentos de Ryu através de legendas, reconhecendo sua comunicação direta com o espectador (a famosa quarta parede). 

Apesar de seus trabalhos posteriores terem recebido críticas negativas, sendo algumas vezes chamado de farsante, Chan-wook demonstra que é um cineasta inventivo, que sabe utilizar qualidades técnicas em favor da narrativa para criar uma forma única em seus filmes, sobretudo nos três títulos da "Trilogia da Vingança"². Oldboy é um excelente filme, mas Mr. Vingança é superior no meu ponto de vista, não apenas por suas qualidades na direção, mas também por ser um roteiro original. 

E não se deixe enganar pela violência explícita e chocante... o filme tem muito mais a oferecer, com certeza.


Lucas Neto
Bacharel em Cinema e colaborador externo do projeto


¹ MACHADO, Arlindo. O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no ciberespaço. Paulus, 2007.

² A chamada "Trilogia da Vingança" é composta por Mr. Vingança (2002), Oldboy (2003) e Lady Vingança (2005).


FICHA TÉCNICA
Título original:
Boksuneun Naui Geot
Gênero: Drama/Suspense

Direção: Chan-wook Park
Elenco: Kang-ho Song, Ha-kyun Shin, Du-na Bae, Ji-Eun Lim, Bo-bae Han, Se-dong Kim, Dae-yeon Lee
Duração: 129 minutos

Ano de produção: 2002
País de origem: Coréia do Sul

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