quinta-feira, 27 de abril de 2017

Ciclo 2017 "Categorias do Oscar" - Juno (07 de abril)

Categoria: Roteiro

"Juno" (2007) causou furor após seu lançamento. Com um orçamento baixo para os padrões hollywoodiano - 7,5 milhões de dólares -, teve grande aceitação da crítica e de público, lucrando dez vezes mais do que seu custo apenas no primeiro mês de exibição¹. O filme, dirigido por Jason Reitman, foi destaque em muitas premiações, sendo indicado a diversos prêmios de melhor filme e melhor atuação para Ellen Page. Contudo, foi o roteiro de "Juno" que recebeu mais elogios, sendo indicado ao Globo de Ouro e faturando o Independent Spirit Award de roteirista iniciante e o Oscar de melhor roteiro original.

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Diablo Cody
Mas o que surpreende tanto no roteiro de "Juno"? As surpresas começam com a própria roteirista. Este é o filme de estreia de Diablo Cody, que antes teve uma atuação profissional diversificada², trabalhando desde secretária em um escritório de advocacia até como "striper feminista". Essas suas atuações profissionais a inspiravam para criar blogs onde escrevia sobre suas experiências ou personagens ambientadas nos mesmos locais de trabalho. Foi seu editor quem sugeriu que escrevesse um roteiro para Cinema. Ela aceitou o desafio e em apenas três meses escreveu a história original de uma adolescente que engravida de seu melhor amigo e resolve entregar o bebê para adoção. 

A maior força do roteiro de "Juno" está nos diálogos rápidos, ácidos e muito verdadeiros, que ajudam a construir a personalidade de cada personagem. Em alguns casos, eles são valorizados com excelentes atuações, especialmente de Ellen Page (Juno), Allison Janney (Brenda, a mãe adotiva de Juno) e J.K. Simmons (o pai da protagonista). Além disso, para quem não conhece os pormenores da história, a sinopse pode dar a impressão de apenas mais um filme sobre gravidez na adolescência, um tema que sempre corre o risco de deslizar para um moralismo barato. No entanto, mesmo ambientado em uma cidade interiorana, com protagonistas adolescentes e aparentemente rebeldes, o filme traz discussões que extrapolam o mundo e as preocupações da juventude.

Outra força do roteiro é como ele aborda seu tema central: a maternidade. Ela está presente em diversas formas, mas especialmente as mais incomuns. Nenhuma das mães que aparece ou são mencionadas no filme são tradicionais (a exceção talvez seja a mãe de Bleeker). Vanessa (Jennifer Garner), a mulher mais próxima da maternidade idealizada, deseja muito ser mãe, mas não consegue engravidar. A mãe de Juno a abandona na infância, ela é criada não pela mãe natural, mas sim por sua madrasta.

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Vanessa sente o bebê chutar: a primeira ligação entre mãe e filho

E quanto à própria Juno, podemos nos perguntar: será que ela se considera uma mãe? Ela engravida, carrega o bebê por nove meses, mas não se vê como mãe em momento algum. Sempre se refere à criança como “it”“the thing” ou em raras vezes "the baby", mas nunca "my baby". Após a criança nascer, Juno decide não vê-la e diz que não sentia que o bebê era seu filho, mas que sempre foi filho de Vanessa.

A forma como o filme aborda esse tema nos faz refletir sobre o que é a maternidade. É um fenômeno biológico? É uma relação familiar? É uma relação de afeto? É um desejo feminino? A obra traz uma desnaturalização da maternidade: é possível engravidar, carregar uma criança por nove meses, dar à luz e não sentir-se mãe. Por outro lado, é possível sentir-se mãe antes mesmo de se ter um filho. Vanessa fala: eu nasci para ser mãe, eu estou pronta para ser mãe. Tanto que, no final do filme, decide seguir seu sonho e ser mãe sozinha.

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Juno passa por todas as fases da gravidez, sem nunca se ver como mãe

Ao mesmo tempo que o filme mostra como a maternidade pode ser algo muito almejado, também traz as dificuldades de uma gravidez indesejada. Nesse sentido, o tema do aborto aparece de maneira pontual, mas bastante marcante. Algumas críticas trazem uma visão bem negativa sobre a cena em que Juno vai até a clínica de aborto³, mas também é possível ter uma visão bem diferente. A cena é rápida, porque esse não é o tema principal do filme, mas isso não quer dizer que a roteirista tratou a questão de maneira irresponsável.

O aborto é uma opção concreta para Juno e, como mostra um diálogo dela com sua melhor amiga, para muitas outras adolescentes de sua idade. Esse diálogo especificamente trata o tema do aborto de uma maneira bastante tranquila e quase com naturalidade. Ou seja, ao que tudo indica, o aborto é uma opção legal e relativamente acessível para Juno, no entanto não é uma escolha fácil e talvez esta tenha sido a proposta de Diablo Cody para a cena da clínica: mostrar de forma rápida - mas bastante significativa - os conflitos dessa escolha

Por isso, a cena não é um desserviço aos debates feministas sobre o aborto. Toda a discussão e luta do movimento feminista é pela possibilidade de a mulher ter a opção de fazer aborto seguro, se assim considerar a melhor opção. Contudo, essa mesma mulher também tem o direito de escolher não abortar. Cabe a nós lutarmos pelo direito dessa mulher ter uma possibilidade de escolha, mas não cabe a nós julgá-la pela decisão que ela tomar.

O tema da maternidade, constante no filme, apresenta personagens femininas fortes e complexas. As figuras paternas, por outro lado, se mostram ausentes⁴. Bleeker (Michael Cera) não participa da gravidez. Mark (Jason Bateman) não se vê como pai, o que fica claro por sua reação ao ver a imagem de ultrassom de seu - até então - futuro filho. O pai de Juno é a figura paterna mais presente, mas mesmo assim é a madrasta que acompanha Juno nos momentos mais marcantes da gravidez: o ultrassom e o parto.

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O pai de Juno (J.K. Simmons)

O filme também é marcado pela transformação, apresentada de duas formas: temporalmente, a partir da mudança de estações, e fisicamente, através da barriga de Juno e das transformações no seu corpo. A passagem das estações do ano podem fazer referência ao ciclo natural das transformações, mas também aos trimestres, unidade que se utiliza para medir as fases da gravidez. Já as transformações no corpo de Juno, longe de apresentá-la como "uma deusa da fertilidade", desromantizam a gravidez, mostrando como esse processo é intenso para o corpo da mulher e, muitas vezes, muito longe de ser belo, como mostram os relatos quase escatológicos de prisão de ventre da personagem principal.

As transformações pelas quais Junos passa devido à gravidez afetam e transformam todos a sua volta. Transforma sua relação com Bleeker, a quem Juno descobre amar. Transforma sua relação com a madrasta, exacerbando os conflitos entre as duas e, ao mesmo tempo, aproximando-as. Transforma a relação entre Mark e Vanessa, expondo as diferenças gritantes entre os projetos de vida dos dois, levando ao rompimento do seu relacionamento.

Imagem relacionadaNinguém termina o filme da mesma forma como começou. Duas cenas que mostram essa ideia de transformação são as do corredor da escola. A câmera mostra Juno de costas para a tela caminhando no intervalo entre as aulas. Na primeira cena, logo no início do filme, ela é apenas mais uma na multidão. Já na segunda vez que Juno percorre aquele mesmo caminho, com a barriga proeminente dos seus oito meses de gestação, todos olham para ela com ares de julgamento. Tudo é igual: é a mesma garota, a mesma escola, o mesmo corredor, os mesmos colegas. Mesmo assim, tudo parece diferente.

A gravidez de Juno transforma de forma irreparável todos os envolvidos e ela mesma. No início do filme, ao contar sobre sua gravidez aos pais, ela diz que não sabe “que tipo de garota é”. Durante o filme, sua relação com Blekeer fica sempre indefinida. Mas após passar pela experiência da gravidez, de experimentar as responsabilidades da vida adulta, a sequência final mostra Juno se encontrando: ela agora sabe o que sente por Bleeker, ela agora sabe que tipo de garota é - uma garota tocando suas músicas no violão.

Isabel Cristina Hentz e Lucas Neto


Notas:
³ Críticas que abordam o tema do aborto em Juno de maneira negativa são de autoria de Lola Aronovich (escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2008/01/crnica-de-cinema-juno-d-enjo.html) e de Luiz Fernando Gallego (criticos.com.br/?p=1465&cat=1).
⁴ Em sua crítica, Fábio Andrade aborda o tema da paternidade em Juno: www.revistacinetica.com.br/juno.htm


FICHA TÉCNICA
Título original: Juno
Gênero: Drama / Comédia
Direção: Jason Reitman
Elenco: Ellen Page, Michael Cera, Jennifer Garner, Jason Bateman, Allison Janney, J. K. Simmons
Duração: 96 minutos
Ano de produção: 2007
País de origem: Estados Unidos

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