segunda-feira, 17 de julho de 2017

Dica da semana Cinestória #16 - Histeria

Histeria, palavra derivada de hystera, útero em grego. Doença eminentemente feminina descrita pela medicina desde a Antiguidade1 até meados do século XX2 cujos sintomas variavam entre ansiedade, insônia, irritabilidade, nervosismo, falta ou excesso de apetite sexual3. Acreditava-se que o útero poderia se deslocar dentro do corpo, originando todos os sintomas da “mulher histérica”.

Histeria também é o título do filme de Tania Wexler, lançado em 2012. A trama se passa em 1880 e pretende contar a história verídica da invenção dos vibradores. Mas qual seria a relação da invenção do vibrador, hoje visto como brinquedo sexual, com a condição médica que dá nome ao longa-metragem?

Dr. Robert Dalrymple (Jonathan Pryce), renomado médico especializado em saúde feminina realizava consultas semanais – para mulheres da elite, que fique bem claro – que ajudavam a aliviar os sintomas das “mulheres histéricas”. Ele realizava massagens genitais até que a paciente atingisse o “paroxismo”, auge da estimulação identificável pelo rubor facial, vocalização, gemidos, revirar dos olhos, contração muscular involuntária, seguidos de intenso relaxamento. A medicina desse período acreditava que as mulheres eram incapazes de sentir prazer sexual que não fosse com a penetração vaginal e desacreditavam da veracidade do prazer clitoriano, daí utilizarem o termo “paroxismo” e não orgasmo (no que estavam redondamente enganados, como podemos perceber pelas reações das distintas damas da alta sociedade que visitavam o consultório no filme).


Essa estimulação realizada várias vezes por dia, vários dias por semana, causavam certo desconforto muscular para os médicos, especialmente para seu pupilo, novo na prática, o jovem Dr. Mortimer Granville (Hugh Dancy). Foi na tentativa de resolver esse problema laboral que o Dr. Granville, um dos personagens principais do filme, junto com seu amigo, amante da recém-dominada eletricidade (Rupert Everett), desenvolvem um equipamento movido à energia elétrica que faz com que as pacientes atinjam o tal paroxismo de forma muito mais rápida e intensa, sem exigir esforço algum do médico. Surge o princípio do vibrador4.


O filme retrata um momento fascinante da história, o final do século XIX, um período em que havia uma forte crença no poder da ciência, no avanço da medicina e no progresso humano. Um período de grande desenvolvimento científico e tecnológico, porém, como o próprio filme retrata, um desenvolvimento que chegava a poucas parcelas da população. Um período com ideias revolucionárias e vistas como perigosas, como a ideia de os trabalhadores poderem participar da riqueza da nação, ou das mulheres pensarem em votar e ter controle sobre suas próprias vidas e sobre sua própria sexualidade. O filme não se aprofunda em nenhum desses temas, mas toca todos eles, inclusive na constituição dos personagens.

Em última instância, Histeria é um filme leve, divertido, com um toque de romance, marcado por diálogos irônicos e inteligentes – especialmente protagonizados por Charlotte Dalrymple (Maggie Gyllenhaal) que rouba a cena toda vez que aparece. Vale a pena assistir (até o fim dos créditos, que mostram diferentes modelos de vibradores desde a época retratada até os dias atuais), se divertir e refletir sobre o quanto avançamos – ou não – em relação ao controle da medicina sobre o corpo da mulher, às discussões sobre a sexualidade feminina e – por que não?! – ao uso dos vibradores, mas agora fora dos consultórios.

Isabel Cristina Hentz
Professora de História – IFC Luzerna

1 https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/download/24038/21490
2 “Só em 1952 é que a classificação do termo ‘histeria’ deixou de ser associada aos sintomas do desejo feminino e passou a definir um transtorno dissociativo.” http://observador.pt/2015/07/23/afinal-inventou-vibrador/
3 https://eravitoriana.wordpress.com/2016/02/10/histeria-o-orgasmo-feminino-e-a-estranha-invencao-dos-vibradores-no-seculo-xix/
4 Apesar do que o filme apresenta, o primeiro médico a desenvolver o princípio do vibrador foi George Taylor em 1869: http://observador.pt/2015/07/23/afinal-inventou-vibrador/

FICHA TÉCNICA
Nome original: Hysteria
Gênero: Comédia
Diretora: Tanya Wexler
Elenco: Maggie Gyllenhaal, Hugh Dancy, Jonathan Pryce.
Duração: 99 minutos
Ano de lançamento: 2012
País de origem: Reino Unido

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